"O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam"

Guimarães Rosa

21 de mar. de 2012

O FENÔMENO BULLYING


Eliane Pastor de Lima,
Gislaine Oliveira Redivo,
Joseane de Andrade e
Renata da Silva Rodrigues.*
O bullying é um fenômeno que vem sendo praticado há muito tempo e é constantemente presenciado principalmente no âmbito escolar e pode resultar em tragédias localizadas nas mais diversas partes do mundo e mais recentemente no Brasil, como vem ocorrendo desde a década de 1990.  
Segundo Fante (2005), bullying é uma palavra de origem inglesa, cuja adoção do termo foi decorrente da dificuldade em traduzi-lo para diversas línguas. Bully, enquanto nome significa valentão e como verbo, brutalizar, amedrontar. Dessa forma a definição de bullying compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotadas por uma ou mais pessoas contra outro(s), causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder.
De acordo com Fante (2005) o fenômeno bullying tem ocorrido principalmente nas escolas. As consequências do bullying afetam todos os envolvidos, mas em especial a vítima, que pode sofrer as consequências em longo prazo, podendo ter prejuízos no âmbito acadêmico, social, além de afetar também a saúde física e mental. A superação dos traumas causados pelo bullying pode acontecer ou não, dependerá das características individuais de cada vítima, de sua habilidade de se relacionar consigo mesma, com o meio social e família.
Segundo Fante (2005), o bullying tem como sua principal característica o ocultismo da vítima, pois ela sente vergonha de admitir que esteja apanhando ou sofrendo gozações na escola e teme o comportamento do agressor. Um dos sinais mais evidentes causadas pelo bullying são a queda do rendimento escolar e a resistência em ir à escola. Os professores devem ficar atentos se a criança apresenta alguns desses sinais, por exemplo: na hora do recreio o aluno fica frequentemente isolado ou sempre por perto de algum adulto; na sala de aula tem dificuldade em falar diante aos demais, demonstrando insegurança ou ansiedade; em jogos de equipe é sempre o último a ser escolhido; sempre está com o aspecto deprimido ou aflito; apresenta desinteresse nas tarefas escolares; apresenta frequentemente feridas, cortes, arranhões ou roupas rasgadas de forma não natural; faltam as aulas com maior freqüência e perde constantemente os seus pertences.
Conforme Fante (2005) é essencial que os pais acompanhem o dia a dia de seus filhos, pois observando, podem detectar os sinais de vitimação, que apresenta como: dores de cabeça, tontura, pouco apetite, dor no estomago, principalmente de manhã; mudança de humor e apresenta explosões de irritação; volta da escola com roupas rasgadas ou sujas e com o material danificado; falta de interesse nas tarefas escolares; desculpas para faltar nas aulas; raramente possui amigos; pede dinheiro com frequência ou furta.
Para identificar o agressor, os professores devem observar seus comportamentos; faz brincadeiras e gozações, coloca apelidos ou chama pelo nome de maneira malsoante, insulta, ridiculariza, faz ameaças, dá ordens, domina, incomoda, intimida, bate, picha, envolve se em discussões, pega os pertences de outros alunos, sem a autorização.
Os pais devem observar os seguintes comportamentos: volta da escola com as roupas amarrotadas e com ar de superioridade; apresenta atitude desafiante e agressiva com os pais e irmãos; tem habilidade para sair se bem de situações difíceis; porta objetos ou dinheiro sem justificar a origem.
Os pais devem observar seus filhos e ficar atento aos seus comportamentos e em caso de suspeita, buscar auxílio, estimulando seus filhos a contar o que ocorre nas escolas, mas não devem tomar nenhuma iniciativa contra o agressor, a não ser comunicar a direção da escola e exigir que busquem informações dos programas que estão sendo desenvolvido na comunidade e em outras escolas para se combater o bullying. Não devem estimular os filhos a revidar os ataques, ao invés disso, devem sugerir que eles evitem o agressor ou busque ajuda de algum adulto que saiba agir nesses casos. Se a escola não apresentar nenhum auxílio, a solução é buscar o conselho tutelar, que de acordo com o estatuto da criança e do adolescente em seu artigo 232, prevê pena para quem “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”. Se o autor for menor que doze anos, o conselho tutelar tem a função de chamar a atenção dos pais e da criança. Se o autor for maior que doze anos, o caso poderá ser levado para a justiça e o juiz decidira se a punição será em advertência ou em prestação de serviço a comunidade. E se o agressor for adulto, a pena prevista é de seis meses a dois anos de detenção. 

* Eliane Pastor de Lima, Gislaine Oliveira Redivo, Joseane de Andrade e Renata da Silva Rodrigues são psicólogas recém graduadas (CESUMAR).

Para saber mais:
FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. São Paulo: Verus, 2005
MIDDELTON-MOZ, Jane; ZAWADSLKI, Mary. Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2007. 

15 de mar. de 2012

O TRAUMA SOCIAL NA ATUALIDADE


Lorena Munhoz da Costa*
Nikita Nomerz
                No dia 07 de abril de 2011, o Brasil acompanhou mais um trágico acontecimento no país: um rapaz de 23 anos invadiu a escola onde fizera seus estudos básicos, no Rio de Janeiro, e disparou vários tiros em direção a alunos e professores. Após ferir e matar alguns deles, o garoto ao se deparar com a polícia, suicidou-se. A notícia se espalhou rapidamente e como uma epidemia se alastrou pelo país, mobilizando a população. Os sentimentos e as reações foram variados: raiva, medo, angústia, entre outros. A mídia divulgava cada novo detalhe e as imagens do ocorrido repetidamente na programação. Policiais, políticos e profissionais (como psicólogos e psiquiatras) eram convocados a dar explicações sobre a tragédia, ou seja, numa outra linguagem, eram chamados a ajudar a população a dar significados ao ocorrido e, assim, tranqüilizá-la. Até hoje, as marcas persistem na memória daqueles que, direta ou indiretamente, vivenciaram a tragédia.
                Podemos chamar este fenômeno de “trauma social”, isto é, um fenômeno que ocorre em meio a um evento social imprevisível, que provoca no grupo estados de desorganização de maior ou menor intensidade e exige novas práticas em razão do evento; este recebe, pois, dos membros do grupo um significado subjetivo compartilhado (Puget, 2000).
O “trauma social” pode ser compreendido a partir da Teoria da Sedução, proposta inicialmente por Freud (1894/1996) e desenvolvida, posteriormente, por Laplanche (1992), no que este último chamou Teoria da Sedução Generalizada. Para Freud (1894), o trauma se dá em dois tempos. No primeiro tempo, a criança vivencia uma experiência de sedução por parte de um adulto e isso é excitante e, ao mesmo tempo, enigmático para a ela. No segundo tempo, a criança (mais velha), vivencia uma segunda situação que recorda a primeira e a investe de enorme excitação e, assim, se vê diante de uma forte carga de excitações sexuais que excede as defesas do eu, o que resulta em forte angústia. Frente a isso, resta ao eu, como defesa, recalcar a representação (lembrança) excitante.
Protesto
A idéia de trauma social é, de algum modo devedora dessa teoria, na medida em que dá um modelo para pensar eventos sociais de grande intensidade afetiva e os esforços coletivos de elaborá-los. Desse modo, pode-se pensar que o evento traumático é socialmente significativo e mobilizador para o grupo, na medida em que representa uma tentativa de reorganização ou tradução do trauma. Podemos considerar, então, que as tragédias, como essa da escola do Realengo, são traumatizantes, porque despertam na comunidade a angústia que já estava presente na memória proveniente do recalcamento e atuante no psiquismo dos membros do grupo. O trauma social, assim como o trauma individual, atua por meio de recordações e repetições, a fim de alcançar a elaboração. Pensando nisso, Puget (2000) afirma que o trauma social possui um caráter doloroso, mas também representa uma nova chance para a elaboração de conflitos subjetivos. Logo, o trauma social então não consiste apenas no evento traumatizante em si, mas na tentativa de ligá-lo socialmente, através, inclusive, da recordação e por meios e instrumentos coletivos. A história do morticínio de Realengo, enfim, pode ser compreendida como uma oportunidade, para o sujeito, de elaboração do trauma original, isto é, da primeira ferida narcísica, pelas vias do social, num lugar, Rio de Janeiro, em que os traumas se sucedem com extrema freqüência e a população tem que criar formas coletivas cada vez mais efetivas de elaboração (movimentos, protestos, associações de vítimas, etc).


* Lorena Munhoz da Costa é psicóloga (CRP 08/16119).


Para saber mais:
Freud, S. (1996). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: uma conferência.  Rio de Janeiro: Imago.
Laplanche, J. (1992).  Novos fundamentos para a psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.
Puget, J. (2000). Traumatismo social: memória social y sentimiento de pertenencia. In: Psicoanálisis APdeBA. Vol. XXII, n. 2.

7 de mar. de 2012

RESPONSABILIDADE E PROXIMIDADE:Considerações acerca dos vínculos na sociedade contemporânea.


Talita Maria Marcomini*

A nossa sociedade contemporânea vem sendo comparada, por vários estudiosos, à Era do Vazio. Mas, o quê seria esse vazio? Ele remete-nos ao vazio do ser, ao ontológico, ao vazio ocorrido na subjetividade existencialista do ser que tantas angústias têm gerado em nossas vidas. A sociedade pós-moderna dominada pelo sentimento de saciedade e consumismo, do ser-se jovem a todo custo, banaliza os relacionamentos afetivos, no que tange ao estabelecimento de vínculos e compromisso. Bauman (2004) refere-se ao mundo moderno como líquido, no qual nada é permanente, tudo que parece sólido se desfaz de forma contínua. Na era do vazio, o homem busca o prazer fugaz e instantâneo, onde o indivíduo busca em si próprio sua satisfação, através de um distanciamento do outro, gerando, assim, um vazio emocional.
Bauman (1998) cita Dostoievski quanto à responsabilidade do ser humano sobre a humanidade: “Somos todos responsáveis por todos os homens perante todos, e eu mais que os outros.” Esse conceito de responsabilidade, aqui, se faz importante, uma vez que, a meu ver, através dele podemos retomar o sentimento de ser humano, e conseqüentemente, vivermos numa sociedade que olha para o outro também, e não apenas para si mesmo. Levinas (apud Bauman, op.cit) coloca que a responsabilidade pelo outro existe “apenas” por ele ser um ser humano. Assim, amplia-se o conceito de responsabilidade, já que atualmente observa-se que se ele não é meu pai ou minha mãe, “então, eu não quero nem saber”. Isso, quando ainda se importa por ser pai e mãe. Um dia, um adolescente me disse que se alguém perdesse a carteira bem em sua frente, ele não a devolveria. Por quê? Porque, segundo ele, ninguém faria isso para ele.
O conceito de responsabilidade, descrito acima, não implica em reciprocidade, ou seja, se é responsável pelo outro sem esperar reciprocidade. “Se o outro olha pra mim, sou responsável por ele, mesmo não tendo assumido responsabilidade para com ele. Minha responsabilidade é a única forma pela qual o outro existe para mim, é o modo da sua presença, da sua proximidade.” (Levinas apud Bauman, op.cit). Atualmente, não se vê esta responsabilidade ou então, acha-se que até se tem responsabilidade pelo outro, enquanto esta implicar em reciprocidade. E hoje em dia, nada mais é feito, sem esperar algo em troca. “Só amo você, porque você me ama”. Isto fica subentendido nos relacionamentos atuais, tudo acontece na base de troca, esperando sempre receber do outro aquilo que lhe foi dado, como se não tivéssemos dado ao outro, e sim como se algo tivesse sido retirado de nós e devesse voltar.
Quando você desumaniza, a partir do momento em que não se considera tal responsabilidade, se perde a ética e isso acarreta conseqüências muito maiores, como por exemplo, o caso do Holocausto. Mas, não precisamos ir tão longe para vermos exemplos. Cada vez mais as pessoas traem seus parceiros afetivos, e a falta de responsabilidade (na concepção utilizada aqui), de compromisso com o outro, propicia esta atitude, levando cada um a não sentir com outro, mas sentir apenas sozinho.
Desta maneira, quando negamos essa responsabilidade, afastamo-nos uns dos outros, e quando me distancio do outro, tudo se torna vazio. Pois acredito, eu, que o ser humano é um ser de relação, e sendo assim, necessita do outro, pois, “para termos amor-próprio precisamos ser amados”. (Bauman, 2004). “Aceitar o preceito de amor ao próximo é o ato de origem da humanidade. [...] Amar o próximo pode exigir um salto de fé. O resultado, porém, é o ato fundador da humanidade. Também é a passagem do instinto de sobrevivência para a moralidade” (Bauman, op.cit, p.99).
* Talita Maria Marcomini é psicóloga (CRP 08/11501)   
Para saber mais:
Bauman, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
Bauman, Z. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.